
Título: Encaixotando minha biblioteca: uma elegia e dez digressões (Packing my library: an elegy and ten digressions)
Autor: Alberto Manguel
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2021 (1ª ed. 2018)
Páginas: 184 p.
Formato: Digital
Sinopse: No verão de 2015, Alberto Manguel se preparou para mais uma mudança: ele sairia de sua casa medieval no Loire, na França, e passaria a morar em um apartamento em Nova York. Sua biblioteca pessoal, com cerca de 35 mil volumes, teria que ser guardada. Nesse momento, o escritor começa a relembrar sua relação com os livros e as bibliotecas (públicas e privadas) que já passaram por sua vida, apresentando aos leitores uma elegia apaixonada.
As reflexões de Manguel variam amplamente, desde as adoráveis idiossincrasias dos bibliófilos a análises mais profundas de eventos históricos, como o incêndio da antiga Biblioteca de Alexandria. Com perspicácia e carinho, o autor ressalta a importância dos livros e seu papel único para uma sociedade democrática e engajada.
Opinião: (levando em consideração a postagem anterior, esse é um dos livros paquerados)
O assunto “bibliotecas” é muito caro à minha pessoa, como quem lê aqui já deve saber. Durante a faculdade de biblioteconomia, encontrei Manguel em mais de uma ocasião: seus livros mais famosos versam sobre os leitores, livros, literatura e afins; e quando esse foi lançado aqui no Brasil, eu fiquei de olho por um longo tempo.
Manguel parte da singular situação de ter que encaixotar seus livros por tempo indeterminado para escrever observações, chamadas por ele de “digressões” – e, cá entre nós, não é um trabalhinho pequeno, a biblioteca dele tinha pra lá de 30 mil livros.
São dez “partes”, onde ele trata de suas situações biográficas entrelaçadas com exemplos e observações literárias, citando obras e autores, consagrados ou não. Sua alfabetização em país estrangeiro (seu pai era diplomata), a vida inteira como nômade e a influência em sua formação. Como ele mesmo observa, a linguagem também constrói nossa narrativa, nossa forma de ver o mundo (e o que dizer dele, poliglota?)
À diferença de outros instrumentos, a linguagem que falamos nos define. Nossos pensamentos, nossa ética, nossa estética – até certo ponto, tudo o que somos é definido por nossa linguagem. Cada linguagem particular provoca ou permite uma certa forma de pensar, evoca certos pensamentos específicos que nos vêm à mente não só por intermédio da linguagem que chamamos de nossa, e sim por causa dela.
Oitava digressão
É muito interessante a forma como ele dispõe as citações, entrelaçando e interpretando de acordo com o assunto, exemplificando. Sempre foi uma das minhas maiores dificuldades como acadêmica: juntar as referências que tenho na hora de passar uma ideia, de forma que fiquem inteligíveis e demonstrem o que quero passar (na minha cabeça as coisas fazem um puta sentido, mas na hora de colocar pra fora, nossinhora).
Minha observação mais contundente, partindo já do título, foi: eu não sou uma acumuladora de títulos. Me identifico mais com Borges (o escritor argentino Jorge Luis Borges), que ele conheceu intimamente, e explica no texto que não se apegava ao suporte material da história. Eu vivo na ideia dicotômica de ter uma enorme biblioteca particular e de não ficar guardando livros que não lerei novamente. “Não guardar os livros” sempre ganha, e quem já tentou se mudar com uma biblioteca de mais de mil títulos sabe o trabalho que isso dá (imagina a biblioteca do autor aí, pelamor).
Manguel representa o oposto de mim na forma de lidar com seus livros: Apegado ao suporte físico, ciumento com seus volumes, acumulador e colecionador (inclusive, li esse título em formato digital, impensável para ele).
Há leitores para quem os livros existem enquanto estão sendo lidos, e mais tarde como recordações das páginas lidas, mas que sentem serem dispensáveis suas encarnações físicas
Quarta digressão
O livro vai do empacotamento de sua biblioteca na França, durante sua pretensa última mudança ao Canadá, onde ele esperava ter uma “aposentadoria, conversas com os amigos e descanso” até pouco depois de assumir a diretoria da Biblioteca Nacional da Argentina, em Buenos Aires (sim, ele já estava no Canadá quando recebeu o convite, que relutou para aceitar).
E quase no final do livro, ele diz o motivo do aceite, sua vontade de fazer algo, retribuir ao seu país, e nos deixa com uma frase que cabe demais no ambiente proto-fascista que estamos lidando hoje:
É claro que a literatura pode não salvar ninguém da injustiça, das tentações da cobiça ou das desgraças do poder. Mas algo nela deve ser perigosamente eficaz, já que todo governo totalitário e todo alto funcionário ameaçado tenta eliminá-la queimando livros, proibindo livros, censurando livros, aplicando impostos sobre livros, limitando-se a fazer de conta que respeitam a causa da alfabetização, insinuando que a leitura é uma atividade elitista
Décima digressão
(te recorda alguma coisa, como a proposta do aumento da taxação de livros sob a desculpa que “só os ricos lêem”?)
Recomendo. É como uma conversa, com referências e citações – que te fazem procurar os livros, ou pelo menos pensar “sério que tem gente que lê isso tudo??” 🙂