Já há cinco anos, eu moro em Curitiba. Curitiba é essencialmente uma cidade úmida/molhada. Costuma chover bastante, em qualquer época do ano – chega a ser irritante.
Mas nesse último ano, não bastasse a política nacional e a covid, estamos passando pela pior crise hídrica dos últimos vinte e poucos anos na cidade. Há três reservatórios de água, dois vazios e um com menos de 25% de capacidade – mas vinte anos atrás, a população aqui era a metade, ou seja, mesmo pouca água duraria o dobro. As queimadas Amazonas/Pantanal afetaram muito diretamente os rios aéreos, parte importantíssima do ecossistema hídrico – e a cidade mais molhada em que eu já morei tá… sequinha.
Eu leio/assisto ficção científica e distópica há muitos e muitos anos, e a crise da água sempre foi um dos meus maiores pesadelos. De tudo que li/vi, esse recurso em específico é um dos que mais me assusta. Podemos viver alguns dias sem comida, mas não sem água. E eu MORRO de medo do que o ser humano é capaz quando é encurralado. A pouca “humanidade” que acho que ainda temos simplesmente evapora.
Então, como pessoa muito imaginativa, meu cérebro lembrou de um dos primeiros livros infanto-juvenis que reparei rolando pela casa. Meu irmão ganhou de presente de uma professora, e eu o li ainda antes dele – eu estava na terceira série, e carrego a história comigo ainda hoje, com detalhes, de tanto que me impressionou…

Título: Depois do caos
Autora: Maria de Regino
Editora: Moderna
Páginas: 110 p.
Ano: 1990
Formato da leitura: Livro físico
Sinopse: Uma visão caótica do futuro, em que a humanidade, dividida pela posse dos bens e da tecnologia, está à beira do colapso. Pablo, um garoto superdotado que vive nas áreas protegidas com seu companheiro Robug, um robozinho muito temperamental, precisa procurar sua mãe, que saíra para as áreas exteriores. Mas fora das grandes bolhas plásticas estão os temidos “marginais”…
Opinião: Esse livro assombrou minhas ideias infantis e juvenis, como ainda me acompanha agora, aos 33 anos. Isso porque, logo no primeiro capítulo, é descrito o quanto aquele menino é privilegiado – tem uma PISCINA em seu conjunto habitacional. E se tinha uma PISCINA, é porque realmente a família dele nadava em dinheiro.
O planeta não tem água. Os humanos vivem em bolhas (os que podem), e água é um recurso escasso. E isso me impressionou muito quando eu era pequena – “como assim, aquilo que cai do céu não existe?” – e foram dias perguntando coisas para minha mãe. Eu morava em casa com água de poço, e a caixa d’água era bem pequena – economizar era a tônica já naquela época, então não foi difícil para minha mãe explicar a escassez.
No livro, Pablo é um menino super-inteligente, que vive acompanhado de seu robô, e decide fazer algo quando a mãe, pesquisadora, simplesmente não retorna, sumindo no exterior. Ele enfia o tal robô no veículo adaptado para a terra seca do exterior, com lagartas ao invés de rodas, e sai atrás dela.
Eu ainda lembro do meu horror, quando ele chega ao mundo exterior – “que horrível, uma terra assim” – e eu ainda estava descobrindo a seca no nordeste, a falta de saneamento, a falta de água em locais como África. Para mim, falta de água era só no deserto, mas lá “é óbvio que não vai ter água, é deserto, dãã”.
Parte do meio da história está meio perdida nas brumas do meu cérebro. Lembro de alguma das pessoas que ele encontra, e da cena final (sem spoiler aqui).
Atualmente, esse livrinho infanto-juvenil, para pessoas jovens mas velho de idade (lançado em 90), só é encontrado em sebos (pena, alguma editora deveria relançá-lo com urgência, ele é NECESSÁRIO). Se você tiver alguma criança na família e encontrar ele perdido por aí, compre. Mas saiba que, se a criança/adolescente for sensível, isso pode marcar para a vida – como me marcou, rsrs
Só porque já estamos aqui…
Mais dois clássicos oitentistas impossíveis de não serem comentados (quando dizem que cérebro de criança é plástico, não estão brincando, né? eu assisti tão nova, e tem coisa que não descola da memória!):
Mad Max – Essa “trilogia de 4 filmes” se passa num mundo de escassez e pessoas loucas, guerra entre gangues, muita areia e… falta de água; não tanto no primeiro filme, mas, vamos lá, quem lembra desse? Em geral a memória vai direto nos filmes dois e três – quem tem a minha idade provavelmente lembra da música-tema da Tina Turner, no terceiro filme (Além da cúpula do trovão). Água é recurso caro, escasso, controlado pelos líderes de gangues e tomado à força por invasões.
O último filme, lançado em 2015, fecha ainda mais na temática da água, onde Immortan Joe abre as gigantescas torneiras ocasionalmente, controlando o povo miserável que vive naquele conjunto (maravilhosa a ideia de nomear de “Acqua Cola”, por sinal).
Waterwolrd – Esse era um que eu simplesmente não entendia. Como podia ter crise de água se eles estavam totalmente cercados e sem terra alguma? Para quem é mais novo e não chegou a ver esse filme na sessão da tarde, ele é estrelado por Kevin Costner (procura aí no buscador). As calotas polares derreteram, o nível do mar subiu e cobriu quase toda a terra disponível – mas água salgada não é potável, certo? Alguns humanos, já geneticamente modificados, apresentavam guelras. Imagina isso na cabeça de uma criança de 10 anos…
Menção honrosa ao nacional Uma história de Amor e Fúria, animação de 2013, onde o último arco trata de uma sociedade futurista que vende shots de água em bares, a preços exorbitantes. Recomendo esse filme pelos mais diversos motivos.
E aí?
Se não chover muito, e em breve, como ficarão as plantações do pequenos produtores aqui em volta? E os pastos? A indústria agropecuária predatória, que gasta mais de 70% da água potável e limpa disponível?
Engraçado que isso me faz pensar em como o pessoal do sertão passa por isso o tempo todo, e ninguém aqui pra baixo dá muita importância – mas vai a água bater na bunda (ou não bater! – bá dum tsss!), que já rola o desesperozinho…
Como funciona o comércio sem água? Numa cidade com milhões de pessoas, como priorizar quem pode gastar onde? Como ficam hospitais? Quanto vai custar trazer carros -pipa de cidade quem tem água? Quem poderá pagar por isso? São questões importantes, visto que, com as queimadas e desmatamento nesse ponto, a frequência tende a se tornar maior…
Sei que eu preciso que chova, para minha sanidade mental retornar ao lugar
Tem mais alguma indicação? Deixa aí no comentário, já estamos meio desgraçados da cabeça mesmo, rsrs