(texto recebido pela newsletter da Editora Elefante – que recomendo de forma entusiástica -e não, não é publi. Queria, rsrsr)
O coronavírus colocou boa parte do mundo em quarentena e os desdobramentos da pandemia são imprevisíveis. É possível vislumbrar, porém, dois grandes caminhos para quando o surto de covid-19 acabar — ou ao menos der uma trégua. Em um cenário, daríamos início a um profundo processo de autocrítica anticapitalista, compreendendo como chegamos até aqui e promovendo mudanças estruturais em nosso modo de vida. No outro, ignoraríamos tudo o que está acontecendo (e ainda vai acontecer) e intensificaríamos ainda mais o neoliberalismo conservador.
Por um lado, entenderíamos que a redução dos investimentos sociais, com a simultânea privatização dos serviços públicos, é uma medida inviável e contraproducente (o que seria de nós agora sem o SUS, mesmo combalido?); que os direitos trabalhistas são essenciais para o bem-estar do trabalhador e de sua família; que desigualdade social é sinônimo de morte seletiva; que não garantir níveis mínimos de renda à população significa adotar políticas de darwinismo social; que a educação, a cultura, a pesquisa e a ciência devem ser estimuladas; que os dogmas religiosos devem se limitar ao foro íntimo do cidadão; que as fake news destroem o tecido social e tiram vidas; que as finanças devem se submeter aos interesses da coletividade; que a economia não pode nem deve continuar sendo pautada por um crescimento infinito.
Por outro lado, cortaríamos ainda mais (e radicalmente) os investimentos públicos para compensar os gastos emergenciais que o Estado teve de assumir para conter o coronavírus; concederíamos desonerações às grandes empresas e ajudas aos bancos e instituições financeiras que sofreram o impacto da crise econômica desencadeada pelas medidas estatais de controle da pandemia; estenderíamos a vigilância a cada rincão da vida da população, baseados neste aspecto específico (e só nele) de como o governo chinês lidou com o surto de covid-19; destinaríamos mais recursos ao aparato militar para conter os inevitáveis distúrbios sociais que cedo ou tarde tomariam as ruas; radicalizaríamos a exploração da natureza para recuperar a balança comercial, intensificando os extrativismos e eliminando outros modos de existência.
Por enquanto, vamos ficar em casa, os que puderem, mantendo a quarentena e as demais recomendações sanitárias para retardar a propagação da doença. Assim, evitamos que seus efeitos colapsem os hospitais e prejudiquem as pessoas mais vulneráveis. Tudo indica, porém, que, quando vencermos a luta contra o coronavírus, teremos outra batalha pela frente, gigantesca e essencialmente política (no sentido mais nobre do termo), na qual estará em jogo a qualidade da nossa sobrevivência e a nossa capacidade de resposta a outras crises epidemiológicas e humanitárias que poderão nos acometer.