[Fazer desse comentário um pouquinho diferente que eu não queria começar com a fichinha dessa vez – me julguem! – mas se quiserem vê-la, ela está no final do post]
Já abro dizendo que prefiro a tradução como “escrivão”, não como “escrevente” (e ainda tem traduções como “escrituário”!). Pronto, falei!
Eu conhecia a frase “I would prefer not to” de memes do Instagram e de fotos de passeatas e manifestações nos states; mas nunca tinha ido atrás para saber de onde raios ela havia sido retirada. Quando descobri sua equivalência em português, eu fiquei louca: adoraria responder isso para um monte de gente – coisa que meu marido já faz, diga-se de passagem. Em português, dependendo da tradução, pode ser “Eu prefiro não”, “Eu prefiro não fazê-lo”, “Eu preferiria não fazê-lo”, ou simplesmente “Prefiro não”.
Diferentemente do que pensei, quem conta a história não é o personagem-título, mas sim seu chefe. Dono de um escritório de advocacia que já conta com três funcionários, ele contrata Bartleby como ponto de equilíbrio – seus funcionários são meio malucos, for you information, e cheios de manias.
Qual não é sua surpresa quando seu novo funcionário o responde, pela primeira vez, que “prefere não fazer” uma tarefa diretamente solicitada! “I would prefer not to” é o bordão do livro, e a frase que desencadeia as questões da história.
O patrão fica tão assustado/encucado que não consegue responder a isso de imediato. O que faz? Demite o sujeito? Por ele ter se recusado ou por ter afrontado a ordem? E se não o demitir, é porque?
O que vi naquela manhã convenceu-me de que o escrituário era vítima de uma doença mental inata e incurável. Eu poderia oferecer compaixão a seu corpo, mas não era seu corpo que lhe doía; era sua alma que sofria, e a sua alma eu não conseguia alcançar.
A história continua num crescendo. Chega um momento em que eu quero muito DAR NA CARA do Bartleby, fico irritada com a história, inclusive. E ainda mais louca é a situação que se segue, é a negativa ser estendida a todas as solicitações; e mesmo quando mandado embora do escritório, a problemática não é resolvida – pelo contrário, torna-se ainda mais problemática!
Para o chefe, uma pessoa com passado “sem confirmações” (como só naqueles dias era possível, quase inimaginável com a atual rede informatizada); para nós leitores, um personagem do qual só se conhecem as reações – em nenhum momento lemos a narrativa por seu ponto de vista. A história foi um incômodo, quase uma coceira – você quer que ela acabe pra ver se a coceira passa (dica: não passa).
O livro é curto, a narrativa é ótima, e eu já estou com ele na lista de releituras – acho que dá para tirar mais coisa agora que não quero terminar correndo para saber logo como é o final 😛
Título: Bartleby, o escrevente (Bartleby, the scrivener: A story of Wall-Street)
Autor: Herman Melville
Editora: Autêntica
Páginas: 152 p.
Ano: 2015 (1.ed. 1853)
Formato da leitura: Livro digital
Sinopse: Um advogado nova-iorquino de meados do século XIX resolve contratar um novo copista. Atendendo ao anúncio do advogado, apresenta-se à porta de seu escritório um jovem que ele caracteriza como uma figura ”palidamente asseada, lastimosamente respeitável, incuravelmente desolada”. Era Bartleby. No começo, o novo copista trabalhava fazendo o que se esperava dele: cópias. Mas, depois, bem, depois, não vamos estragar a história. Bartleby, o escrevente é um conto de Herman Melville (1819-1891), o autor de Moby Dick, publicado pela primeira vez em 1853. O personagem central é tão marcante e o conto tem uma força tal que Bartleby tem fascinado leitores e críticos desde sua primeira publicação. Foi, contemporaneamente, teorizado por filósofos tão ilustres quanto Gilles Deleuze, Jacques Derrida, e Giorgio Agamben (v. Bartleby, ou da contingência, Autêntica, 2015). A presente edição apresenta o conto numa nova tradução ao lado do original em inglês.
Tenho muita curiosidade para ler. E morro de raiva de ter deixado passar a edição lindona da Cosac.
Bjs,
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Você viu que a Ubu lançou uma edição idêntica? Corre lá para olhar 😀
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